terça-feira, 15 de outubro de 2019

SOBRE A FELICIDADE


SOBRE A FELICIDADE
Os homens, segundo o jesuíta Teilhard de Chardin, dividem-se em três grupos que partem para escalar uma montanha…

“Alguns não estão irritados pela partida. O sol brilha, a vista é bela. Mas para que subir mais alto? Não é melhor aproveitar a montanha onde nos encontramos, em meio aos prados e no bosque? E se deitam sobre a grama, ou exploram ao redor, esperando a hora do piquenique. Os últimos, enfim, os verdadeiros alpinistas, não tiram os olhos dos picos que decidiram subir. E seguem adiante.

Os cansados, os brincalhões, os fervorosos. Três tipos de Homem, que cada um de nós traz em semente no profundo de si mesmo, e entre os quais, desde sempre, divide-se a humanidade que nos circunda.

Os cansados (os pessimistas)  para começar

Para esta categoria de homens, existir é um erro, ou um falimento. Somos mal comprometidos, e por consequência se trata de abandonar o jogo o mais rápido possível. Levado ao extremo e colocado em uma doutrina sábia, esta atitude resulta da sabedoria hindu, pela qual o Universo é uma ilusão e uma cadeia. Mas de modo mais amortecido e comum, a mesma disposição se encontra e se revela em um mar de julgamentos práticos que bem conheceis. ‘Que sentido tem buscar? Por que não deixam os selvagens seu mundo selvagem e os ignorantes a ignorância? O que quer dizer a Ciência? Não se está melhor deitado que em pé? Mortos, ao invés de mentir?’ Tudo isso significa, ao menos implicitamente, que é preferível ser menos que mais; melhor ainda, não ser absoluto.

Os brincalhões (os foliões)

Para estes homens da segunda espécie, é melhor ser que não ser. Mas, estejamos atentos, “ser” tem um sentido todo particular. Ser, viver, para os discípulos desta escola, não é agir, mas curtir o presente. Curtir cada momento e casa coisa zelosamente, sem perder nada, e sobretudo sem se preocupar em mudar atitude: nisto consiste a sabedoria. Não se arrisca nada pelo futuro, a menos que para um excesso de refinamento. Não se envenena apreciando o risco pelo risco, para provar o prazer de ousar ou sentir a emoção do medo.

Assim é para nós, de uma forma simplificada, o antigo hedonismo pagão de Epicuro. E não muito tempo atrás, nos círculos literários, esta era a mesma tendência de Paul Morand, ou de um Montherrant, ou mais sutil, de um Gide, pelo qual o ideal da vida é beber sem nunca acabar com a própria sede. Não para retomar a forma, mas para estar pronto a curvar-se mais e rapidamente sobre qualquer nova fonte.

Os fervorosos

Aqui me refiro àqueles pelos quais a vida é uma subida e uma descoberta. Para os homens que formam esta terceira categoria não somente é melhor ser que não ser, mas é sempre a possibilidade - e é a única que interessa - de se tornar alguma coisa a mais. Para estes conquistadores apaixonados de aventura, o ser é inesgotável - não à maneira de Gide, como uma jóia de mil facetas, que se pode girar em todos os versos sem nunca se cansar, mas como um fogo de calor e de luz, ao qual é possível aproximar-se sempre mais. Pode-se importunar estes homens, tratá-los de ingênuos ou achá-los chatos. Mas depois de tudo são eles que nos fizeram e que preparam a Terra do Amanhã.

Pessimismo, e volta ao passado, curtição do presente, impulso para o futuro. Três atitudes fundamentais frente à Vida.

A partir disso, inevitavelmente, ao centro mesmo do nosso problema, eis três formas contrastantes de felicidade:

1) Felicidade de tranquilidade. Nenhum tédio, nenhum risco, nenhum esforço diminui os contatos, limitamos na necessidade, reentramos na nossa concha. O homem feliz é aquele que pensará, sentirá e desejará menos.

2) Felicidade de prazer, prazer imóvel, ou mais ainda, prazer continuamente renovado. O propósito da vida não é agir e criar, mas aproveitar. Ainda menos esforço, portanto, ou aquele tanto necessário para tomar a taça de licor. Relaxar o máximo possível, como a folha no raio de sol, mudar de posição a cada instante para sentir mais: eis a receita da felicidade. O homem feliz é aquele que sabe sentir o instante que tem entre as mãos no mundo mais completo.

3) Felicidade de crescimento ou de desenvolvimento. Para este terceiro ponto de vista, a felicidade não existe nem tem valor por si mesma, não é outro que o sinal, o efeito e a recompensa da ação guiada. ‘Um subproduto do esforço’, dizia Aldous Huxley. Não basta, como sugere o moderno hedonismo, renovar-se em um modo qualquer para ser feliz. Nenhuma mudança santifica, torna feliz, ao menos que não se haja avançando e em saída.

O homem feliz é aquele que, sem buscar diretamente a felicidade, encontra inevitavelmente a alegria no ato de alcançar a plenitude e o ponto extremo de si mesmo, para adiante”.

A MISSA SOBRE O MUNDO

A Missa sobre o Mundo é um dos textos mais belos e poéticos de Pierre Teilhard. Espero que gostem... Podem imprimir a vontade, pois vale a pena.
A MISSA SOBRE O MUNDO

OFERTÓRIO

Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo.

O sol acaba de iluminar, ao longe, a franja extrema do primeiro oriente. Mais uma vez, sob a toalha móvel de seus fogos, a superfície viva da Terra desperta, freme, e recomeça seu espantoso trabalho. Colocarei sobre minha patena, meu Deus, a messe esperada desse novo esforço. Derramarei no meu cálice a seiva de todos os frutos que hoje serão esmagados.

Meu cálice e minha patena, são as profundezas de uma alma largamente aberta a todas as forças que, em um instante, vão elevar-­se de todos os pontos do Globo e convergir para o Espírito. - Que venham pois, a mim, a lembrança e a mística presença daqueles que a luz desperta para uma nova jornada!

Um a um, Senhor, eu os vejo e os amo, aqueles que me destes como sustento e como encanto natural de minha existência. Um a um, também, eu os conto, os membros dessa outra e tão cara família que pouco a pouco as afinidades do coração, da pesquisa científica e do pensamento juntaram à minha volta, a partir dos elementos mais diversos. Mais confusamente, mas todos sem exceção, eu os evoco, aqueles cuja tropa anônima forma a massa inumerável dos vivos: aqueles que me rodeiam e me sustentam sem que eu os conheça; aqueles que vêm e aqueles que vão; sobretudo aqueles que, na Verdade ou através do Erro, no seu escritório, laboratório ou fábrica, crêem no progresso das Coisas e, hoje, perseguirão apaixonadamente a luz.

Quero que nesse momento meu ser ressoe ao murmúrio profundo dessa multidão agitada, confusa ou distinta, cuja imensidade nos espanta, - desse oceano humano cujas lentas e monótonas oscilações lançam a inquietação nos corações mais crentes. Tudo aquilo que vai aumentar no Mundo, ao longo deste dia, tudo aquilo que vai diminuir, - tudo aquilo que vai morrer, também, - eis, Senhor, o que me esforço por reunir em mim para vos oferecer; eis a matéria de meu sacrifício, o único que vós podeis desejar.

Outrora, carregava-­se para vosso Templo as primícias das colheitas e a flor dos rebanhos. A oferenda que esperais agora, aquela de que tendes misteriosamente necessidade cada dia, para aplacar vossa fome, para acalmar vossa sede, não é nada menos do que o crescimento do mundo impelido pelo devir universal.

Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida por vossa atração, vos apresenta à nova aurora. Este pão, nosso esforço, não é em si, eu o sei, mais que uma degradação imensa. Este vinho, nossa dor, não é ainda, ai de mim, mais que uma dissolvente poção. Mas, no fundo dessa massa informe, colocastes – disso estou certo, porque o sinto – um irresistível e santificante desejo que nos faz a todos gritar, desde o ímpio ao fiel: “Senhor, fazei-nos Um!

Porque, à falta do zelo espiritual e da sublime pureza de vossos santos, deste-me, meu Deus, uma simpatia irresistível por tudo quanto se move na matéria obscura, - porque irremediavelmente, reconheço em mim, bem mais que um filho do Céu, um filho da Terra, - subirei, esta manhã, em pensamento, às alturas, carregado das esperanças e das misérias de minha Terra-Mãe; e lá, por força de um sacerdócio que somente Vós, creio, me destes, - sobre tudo aquilo que, na Carne humana, se prepara para nascer ou perecer sob o sol que se levanta, eu chamarei o Fogo.

O FOGO NO MUNDO

Aconteceu. O fogo, mais uma vez, penetrou na Terra.
Não caiu ruidosamente sobre os cimos como o raio em seu fragor. Força o Mestre as portas para entrar em sua casa?

Sem abalo, sem trovão, a chama iluminou tudo por dentro. Desde o coração do menor átomo à energia das leis mais universais, ela tão naturalmente invadiu, individual e conjuntamente, cada elemento, cada mola, cada liame de nosso Cosmos que ele, poder-se-ia crer, inflamou-se espontaneamente.

Na Humanidade nova que hoje se engendra, O Verbo prolongou o ato sem fim de seu nascimento; e, por virtude de sua imersão no seio do Mundo, as grandes águas da Matéria, sem um arrepio, carregaram-se de vida. Nada estremeceu, aparentemente, sob a inefável transformação. E, entretanto, misteriosa e realmente, ao contato da substancial Palavra, o Universo, imensa Hóstia, se fez Carne. Meu Deus, toda matéria é doravante encarnada, pela vossa Encarnação.

Há tempo que nossos pensamentos e nossas experiências humanas reconheceram as estranhas propriedades do Universo que o fazem tão semelhante a uma Carne...

Como a Carne, ele nos atrai pelo encanto que flutua no mistério de suas dobras e na profundidade de seus olhos.

Como a carne, ele se decompõe e nos escapa sob o trabalho de nossas análises, de nossas quedas e de sua própria duração.

Como a Carne, ele não se abraça verdadeiramente senão no esforço sem fim para atingí-lo sempre mais além daquilo que nos é dado.

Senhor, todos nós sentimos, ao nascer, essa mistura inquietante de proximidade e distância. E, não há, na herança de dor e de esperança que transmitem as idades, não há nostalgia mais desolada que aquela que faz o homem chorar de irritação e de desejo no seio da Presença que paira, implacável e anônima, em todas as coisas, à sua volta: "Que definitivamente os homens A alcancem..."

Agora, Senhor, pela Consagração do Mundo, o clarão e o perfume flutuando no Universo, tomam, em Vós, corpo e feição para mim. Aquilo que meu pensamento hesitante entrevia, aquilo que meu coração reclamava por um desejo inverossímil, Vós mo concedeis magnificamente: que as criaturas não sejam somente solidárias entre si, a ponto de nenhuma poder existir sem que todas as outras a rodeiem, - mas que sejam de talmaneira sustentadas pelo mesmo centro real, que uma verdadeira Vida, expeimentada em comum, lhes dê definitivamente sua consistência e sua união.

Fazei explodir, meu Deus, pela audácia de vossa Revelação, a timidez de um pensamento pueril que nada ousa conceber de mais vasto, nem de mais vivo no mundo, que a miserável perfeição de nosso organismo humano! Na via de uma compreensão mais ousada do Universo, os filhos do século ultrapassam, a cada dia, os mestres de Isarel. Vós, Senhor, Jesus, "em que todas as coisas encontram sua consistência", revelai-Vos enfim àqueles que vos amam, como a Alma superior e o Foco físico da Criação. Trata-se de nossa vida, não vedes? Se eu não pudesse acreditar que vossa Presença real anima, enleva, aquece a menor das energias que me penetram ou que me roçam, não morrria de frio, enregelado no âmago de meu ser?

Obrigado, meu Deus, por terdes, de mim maneiras, conduzido meu olhar até fazê-lo descobrir a imensa simplicidade das Coisas! Pouco a pouco, sob o desenvolvimento irresistível das aspirações que depositastes em mim quando eu era ainda uma criança, sob a influência de amigos excepcionais que surgirm na altura exata ao longo de meu caminho para esclarecer e fortalecer o meu espírito, sob o despertar de iniciaões terríveis e doces cujos círculos me fizestes sucessivamente transpor, chego a nada mais poder ver nem respirar fora do Meio onde tudo não é mais que Um.

Neste momento em que Vossa vida acaba de passar com um acréscimo de vigor no Sacramento do Mundo, experimentarei, com uma consciência maior, a forte e calma embriaguez de uma visão cuja coerência e harmonia não chego a esgotar.

O FOGO ACIMA DO MUNDO

Iludimo-nos tenazmente a respeito do Fogo, esse princípio do Ser, julgando que ele sai das profundezas da Terra e que sua chama se alumia progressivamente ao longo da brilhante esteira da Vida. Senhor, destes-me a graça de compreender que esta visão era falsa e que, para Vos perceber, eu deveria mudá-la completamente. No princípio, havia o poder inteligente, amante e ativo. No princípio, era o Verbo sobernamente capaz de sujeitar a si e modelar toda a Matéria que nascesse. No princípio, não havia o frio e as trevas, mas o Fogo. Eis a Verdade.

Assim, pois, bem antes que de nossa noite jorre gradualmente a luz, é a luz pré-existente que, paciente e infalivelmente, elimina nossas sombras. Criaturas, somos por nós mesmos, Sombra e Vazio.
Vós sois, meu Deus, o próprio fundo e a estabilidade do Meio eterno, sem duração nem espaço, em que gradualmente, nosso Universo emerge e se consuma, perdendo os limites pelos quais nos parece tão grande. Tudo é ser, não há senão ser em tudo, fora da gragmentação das criaturas e da oposição de seus átomos.

Espírito ardente, Fogo fundamental e pessoal. Termo real de uma união mil vezes mais bela e desejável que a fusão destruidora imaginada por qualquer panteísmo, dignai-vos, esta vez ainda, descer sobre a frágil película de matéria nova, com a qual o mundo vai se envolver hoje, para lhe dar uma alma.

Eu sei. Não poderíamos ditar, nem mesmo antecipar o menor de vossos gestos. De Vós, todas as iniciativas, a começar por esta de minha oração.

Verbo bilhante, Poder ardente, Vós que modelais o Múltiplo para lhe insuflar vossa vida, baixai, eu Vos peço, sobre nós, vossas mãos poderosas, vossas mãos previdentes, vossas mãos onipresentes, essas mãos que não tocam nem aqui nem ali (como faria uma mão humana), mas que misturadas à profundeza e à universalidade presente e passada das Coisas, nos atingem simultaneamente por tudo quanto existe de mais vasto e de mais interior em nós e à nossa volta.

Com essas mãos invisíveis, preparai, por uma adaptação suprema, para a grande obra que meditais, o esforço terrestre cuja totalidade, reunida em meu coração, eu vos apresento agora. Remanejai, corrigi, refundi até às origens, ete esforço, Vós que sabeis por que é impossível que a criatura não nasça senão sustentada pela haste de uma interminável evolução.

E agora, pronunciai sobre ele, por minha boca, a dupla e eficaz palavra, sem a qual tudo desmorona, tudo se desata, em nossa sabedoria e em nossa experiência, - mas com a qual tudo se reúne e tudo se consolida, a perder de vista, em nossas especulações e nossa prática do Universo. – Sobre toda a vida que vai germinar, crescer, florescer e amadurecer neste dia, repeti: “Isto é o meu Corpo”. – E, sobre toda a morte pronta a corroer, fanar e segar, ordenai (o mistério de fé por excelência!): “Isto é o meu Sangue”.

O que experimento em face e no seio do Mundo assimilado por vossa Carne, tornado vossa Carne, meu Deus - não é nem a absorção do monista ávido de se fundir na unidade das coisas, - nem a emoção do pagão prostrado aos pés de uma divindade tangével, - nem o abandono passivo do quietista agitado ao sabor das energias místicas.

Tomando dessas diversas correntes algo de sua força, sem me levar a nenhum empecilho, a atitude na qual fixo vossa universa Presença, é uma dmirável síntese em que se unem, corrigindo-se, três das mais temíveis paixões que sempre podm excitar um coração humano:

Como o monista, eu mergulho na Unidade total, - mas a Unidade que me recebe é tão perfeita que nela sei encontrar, perdendo-me, o último aperfeiçoamento de minha individualidade.

Como o pagão, adoro um Deus palpável. Eu até toco esse Deus, por toda a superfície e profundidade do Mundo da Matéria em que me encontro. Mas para alcançá-lo como eu quereria (simplemente para continuar a tocá-lo), é necessário que eu vá sempre mais longe, através e para além de qualquer empresa, - sem poder descansar em nada - levado a cada instante pelas criaturas e a cada instnte ultrapassando-as, - num contínuo acolhimento e num contínuo desapego.

Como o quietista, deixo-me deliciosamente embalar pela divina Fantasia. Mas, ao mesmo tempo, sei que a Vontade divina só me será revelada, a cada instante, no limite de meu esforço. Eu só tocarei Deus na matéria, como Jacó, quando tiver sido vencido por Ele.

Assim, porque me apareceu o Objeto definitivo, total, conforme o qual está afinada minha natureza, as potências de meu sr se põem espontaneamente a vibrar segundo uma Nota Única, incivelmente rica, onde distingo, unidas sem esforço, as tendências mais opostas: a exaltação de agir e a alegria de suportar; a volúpia de reter e a febre de ultrapassar; o orgulho de crescer e a felicidade de desaparecer em alguém maior que eu.

Rico da seiva do Mundo, subo para o Espírito que me sorri para além de toda conquista, revestido do esplendor concreto do Universo. E, perdido no mistério da Carne divina, eu já não saberia dizer qual é a mais radiosa destas duas bem-aventuranças: ter encontrado o Verbo para dominar a Matéria, ou possuir a Matéria para atingir e receber a luz de Deus.

Fazei, Senhor, com que vossa descida sobre as Espécies universais seja para mim, não somente querida e acariciada como o fruto de uma especulação filosófica, mas que ela se torne verdadeirmente uma Presença real. Em potência e em direito, queiramos ou não, estais encarnado no Mundo e vivemos suspensos a Vós. Mas, de fato, falta (e quanto!) para todos nós, que Vós estejais igualmente próximo. Levados, todos juntos, no seio de um mesmo Mundo, formamos, não obstante, cada um, nosso pequeno Universo no qual a Encarnação se opera independentemente, com uma intensidade e nuanças no altar, pedimos que, para nós, a consagração se faça: "Para que se torne para nós o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo... ". Se creio firmemente que tudo, à minha volta, é o Corpo e o Sangue do Verbo, então para mim (e, num certo sentido, só para mim) se produz a maravilhosa 'Diafania' que faz transparecer objetivamente, na profundidade de todo o fato e de todo elemento, o calor luminoso de uma mesma Vida. Mas que minha fé, por desgraça, esmoreça logo a luz se extigue, tudo se tona obscuro, tudo se decompõe.

No dia que começa, Senhor, acabaste de descer. Ai, que infinita diversidade nos graus de vossa presença par os acontecimentos que se preparam e que todos suportaremos! Nas mesmas circunstâncias exatmente, prontas a me envolver e a envolver meus irmãos, podeis ser um pouco, muito, cada vez mais, ou nada.

Para que nenhum veneno me prejudique hoje, para que morte alguma me elimine, para que nenhum vinho me embriague, para que em toda criatura eu Vos descubra e Vos sinta - Senhor, fazei que eu creia!

COMUNHÃO

Se o Fogo desceu ao coração do Mundo é, finalmente, para me tomar e para me absorver. A partir de então, não basta que eu o contemple e que por uma fé viva intensifique sem cessar seu ardor à minha volta. É preciso que, depois de haver cooperado, de todas as minhas forças, com a Consagração que o faz jorrar, eu consinta enfim na comunhão que lhe dará em minha pessoa o alimento que ele veio finalmente procurar.

Prosto-me, meu Deus, diante de vossa Presença no Universo em chamas e, sob os traços de tudo aquilo que encontrarei, e de tudo que me acontecerá, e de tudo que realizarei neste dia, desejo-Vos e Vos espero.

É terrível ter nascido, isto é, encontrar-se irrevogavelmente arrebatado, sem o ter querido, numa torrente de energia formidável que parece querer destruir tudo quanto arrasta consigo.

Quero, meu Deus, por uma inversão de forças das quais só Vós podeis ser o autor, que o pavor que me domina diante das alterações sem nome, prontas a renovar meu ser, vire uma alegria transbordante de ser transformado em Vós.

Sem hesitar, primeiro, estenderei a mão para o pão ardente que me apresentais. Neste pão, onde encerrastes o germe de todo desenvolvimento, reconheço o princípio e o segredo do futuro que me reservais. Tomá-lo é me entregar, eu o sei, aos poderes que me arrancarão dolorosmente de mim mesmo para me atirar no perigo, no trabalho, na renovação contínua das idéias, no desapego austero das afeições. Comê-lo é adquirir, por aquilo que em todas as coisas está acima de tudo, um gosto e uma afinidade que me tornarão doravante impossíveis as alegrias em que se acalentava minha vida. Senhor Jesus, aceito ser possuído por Vós, e conduzido pelo inexprimível poder de vosso Corpo ao qual estarei ligado, em direção a soledades às quais, sozinho, jamais teria ousado subir. Instintivamente, como todo Homem, gostaria de erguer aqui minha tenda sobre um monte escolhido. Tenho medo, como todos os meus irmãos, do futuro excessivamente misterioso e novo para o qual me impele a duração. E depois com eles pergunto-me ansioso: aonde vai a vida?... Possa esta comunhão do pão com o Cristo revestido dos poderes que dilatam o Mundo libertar-me de minha timidez e de minha indiferença. Lanço-me, ó meu Deus, apoiado em vossa Palavra, no turbilhão das lutas e das energias em que se desenvolverá meu poder de perceber e expeimentar vossa Santa Presença. Aquele que amar apaixonadamente a Jesus escondido nas forças que fazem crescer a Terra, a Terra maternalmente o elevará em seus braços gigantes e o fará contemplar o semblante de Deus.

Se vosso reino, meu Deus, fosse deste Mundo, bastaria para Vos possuir, que eu me confiasse aos poderes que nos fazem sofrer e morrer engrandecendo-nos palpavelmente a nós ou àquilo que nos é mais caro em nós mesmos. Mas, posto que o Termo em direção ao qual se move a Terra está para além não somente de cada coisa individual, mas do conjunto das coisas - o trabalho do Mundo consiste não em engendrar em si mesmo alguma Realidade suprema, mas em se consumir por união num Ser pré-existente - conclui-se que, para chegar ao centro flamejante do Universo, não basta ao Homem viver cada vez mais para si, nem mesmo dedicar sua vida a uma causa terrestre por maior que ela seja. O Mundo só pode finalmente se reunir a Vós, Senhor, por uma espécie de inversão, de retorno, de excentração onde por um tempo, soçobra não somente o êxito dos indivíduos, mas a própria aparência de todo proveito humano. Para que meu ser seja decididamente anexado ao vosso, é preciso que morra em mim não somente a mônada, mas o Mundo, isto é, que eu passe pela fase dilacerante de uma diminuição que nada de tangível virá compensar. Eis por que, recolhendo no cálice a amargura de todas as separações, de todas as limitações, de todas as quedas estéreis, Vós mo ofereceis: "Bebei dele todos".

Como, Senhor, recusaria este Cálice, agora que pelo pão que me fizestes saborear, introduziu-se no âmago de meu ser a inextinguível paixão de Vos abraçar, para além da vida, através da morte? A Consagração do Mundo já permaneceria inacabada se não tivésseis animado com predileção, para aqueles que crêem, as forças que matam, depois das que vivificam. Minha Comunhão seria então incompleta (simplesmente não seria cristã) se, com os acréscimos que este novo dia me traz, eu não recebesse, em meu nome e em nome do Mundo, como a mais direta participação em Vós mesmo, o trabalho, surdo ou manifesto, de enfraquecimento, de velhice e de morte que mina incessantemente o Universo, para sua salvação ou condenação. Abandono-me perdidamente, ó meu Deus, às temíveis ações de dissolução pelas quais vossa divina Presença se substituirá hoje, nisso quero crer totalmente, à minha estreita personalidade. Aquele que tiver amado apaixonadamente a Jesus escondido nas forças que fazem morrer a Terra, a Terra se desfazendo, o estreitará em seus braços gigantes e, com ela, ele também despertará no seio de Deus.

ORAÇÃO

E agora, Jesus, que escondido sob os poderes do Mundo, Vos tornastes verdadeira e fisicamente tudo para mim, tudo à minha volta, tudo em mim, farei passar numa mesma aspiração a embriaguez daquilo que tenho e a sede daquilo que me falta, e Vos repetirei, segundo vosso servidor, as palavras inflamadas em que se reconhecerá sempre mais exatamente, nisso tenho fé inabalável, o Cristianismo de amanhã:

"Senhor, encerrai-me no mais profundo das entranhas de vosso Coração. E, quando aí me tiverdes, abrasai-me, purificai-me, inflamai-me, sublimai-me, até a satisfação perfeita de vossos gostos, até a mais completa aniquilação de mim mesmo."

"Senhor". Ah sim, finalmente! pelo duplo mistério da Consagração e da Comunhão universais, encontrei assim alguém a quem possa, de todo o coração, dar este nome: Senhor! Enquanto eu não soube ou não ousei ver em Vós, Jesus, mais que o Homem de há dois mil ano, o Moralista sublime, o Amigo, o Irmão, meu amor permaneceu tímido e constrangido. Amigos, irmãos, sábios, não os temos nós tão grandes e tão requintados e mais próximos, à nossa volta? E depois, pode o Homem se dar plenamente a uma natureza estritamente humana? Desde sempre, o Mundo, acima de todo elemento do Mundo, havia tomado meu coração, e eu nunca me curvara sinceramente diante de mais ninguém. Então, durante muito tempo, mesmo crendo, errei sem saber aquilo que amava. Mas hoje que, pela plena manifestação dos poderes supra-humanos que a Ressurreição vos conferiu, transpareceis para mim, Mestre, através de todos os poderes da Terra; hoje eu Vos reconheço como meu Soberano e me entrego deliciosamente a Vós.

Estranhos caminhos os de vosso Espírito, meu Deus! - Quando, há dois séculos, começou a se fazer sentir em vossa Igreja, a atração distinta de vosso Coração, pôde parecer que o que seduzia as almas era a descoberta em Vós de um elemento mais determinado, mais circunscrito que a vossa própria Humanidade. Ora, eis que agora, súbita inversão: torna-se evidente que pela "revelação" de vosso Coração, Vós quisestes, acima de tudo, Jesus, fornecer ao nosso amor o meio de escapar do que era estreito demais, preciso demais, limitado demais na imagem que fazíamos de Vós. No centro de vosso peito, não percebo senão uma fornalha; e quanto mais fixo esta fornalha ardente, tanto mais me parece que à volta os contornos de vosso Corpo se fundem, crescendo além de toda medida, até não se distinguirem mais em Vós outros traços que os da figura de um Mundo incendiado.

Cristo glorioso! Influência secretamente difusa no seio da Matéria e Centro deslumbrante em que se ligam todas as fibras inúmeras do Múltiplo; Potência implacável como o Mundo e quente como a Vida; Vós que tendes a fronte de neve, os olhos de fogo, os pés mais irradiantes que o ouro em fusão; Vos cujas mãos aprisionam as estrelas, Vós que sois o primeiro e o último, o vivo, o morto e o ressuscitado: Vós que reunis em vossa unidade todos os encantos, todos os gostos, todas as forças, todos os estados: é por Vós que meu ser chamava com um desejo tão vasto quanto o Universo: Vós sois verdadeiramente meu Senhor e meu Deus!

"Encerrai-me em Vós, Senhor." Ah! eu creio (e tanto que essa fé se tornou um dos fundamentos de minha vida íntima): trevas absolutamente exteriores a Vós seriam umpuro nada. Nada pode subsistir fora de vossa Carne, Jesus; a tal ponto que mesmo aqueles que se encontram rejeitados fora de vosso amor se beneficiam ainda, para sua infelicidade, do suporte de vossa presença. Estamos todos irremediavelmente em Vós, Meio universal de consistência e de vida! - Mas justamente porque não somos coisas definitivamente prontas que possam ser concebidas indiferentemente como próximas ou afastadas de Vós; justamente porque em nós o sujeito da união cresce com a própria união que nos entrega progressivamente a Vós; - em nome daquilo que há de mais essencial em meu ser, Senhor, escutai o desejo desta coisa que ouso chamar minha alma, ainda que, a cada dia que passa, eu compreenda o quanto ela é maior do que eu; e para estancar minha sede de existir - através das zonas sucessivas de vossa Substância profunda - atraí-me até as dobras íntimas do Centro de vosso Coração.

Mais profundo sois encontrado, Mestre, mais vossa influência se descobre universal. Sob este aspecto poderia apreciar, a cada instante, o quanto avancei em Vós. Quando eu visse todas as coisas guardando à minha volta seu sabor num único Elemento, infinitamente próximo e infinitamente distante, - quando, aprisionado na intimidade ciumenta de um santuário divino, eu me sentisse entretanto errar livremente pelo céu de todas as criaturas, então saberia estar próximo do lugar central para onde converge o coração do Mundo na irradiação descendente do Coração de Deus.

Nesse ponto de universal abrasamento, agi sobre mim, Senhor, pelo fogo reunido de todas as ações interiores e exteriores que, provadas menos perto de Vós, seriam neutras, equívocas ou hostis; mas que, animadas por uma Energia "que tudo pode dominar", tornam-se, nas profundezas físicas de vosso Coração, os anjos de vossa vitoriosa operação. Por uma combinação maravilhosa, com vossa atração, exaltai - e depois desgostai - meu coração do encanto das criaturas e da sua insuficiência, de sua doçura e de sua maldade, de sua decepcionante fraqueza e de seu espantoso poder; ensinai-me a verdadeira pureza, aquela que não é separação anemizante das coisas, mas um impulso através de todas as belezas; revelai-me a verdadeira caridade, aquela que não é o medo estéril de fazer o mal, mas a vontade vigorosa de forçar, todos juntos, as portas da vida; dai-me, enfim, dai-me acima de tudo, por uma visão sempre maior de vossa onipresença, a paixão bem-aventurada de descobrir, de fazer e de suportar sempre um pouco mais o MUndo, a fim de penetrar sempre mais em Vós.

Toda minha alegria e meu êxito, toda a minha razão de ser e meu gosto de viver, meu Deus, estão suspensos a essa visão fundamental de vossa conjunção com o Universo. Que outros anunciem os esplendores de vosso puro Espírito! Para mim, dominado por uma vocação que penetra até ás últimas fibras de minha natureza, eu não quero, eu não posso dizer outra coisa que os inúmeros prolongamentos de vosso Ser encarnado através da matéria: jamais poderia pregar senão o mistério de vossa Carne, ó Alma que transpareceis em tudo o que nos rodeia!

Ao vosso Corpo, em toda sua extensão, isto é, ao Mundo tornado por vosso poder e por minha fé o crisol magnífico e vivo em que tudo aparece para renascer, - por todos os recursos que fazem jorrar em mim a vossa atração criadora, por minha ciência fraca demais, por meus laços religiosos, por meu sacerdócio e (no que mais insisto) pelo fundo de minha convicção humana - para nele viver e morrer, - eu me entrego, ó Jesus.

Ordos, 1923.
(Em Hino do Universo, 1923)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

TRECHOS DE O MEIO DIVINO - Pierre Teilhard de Chardin

"Não esqueçamos que a alma humana por mais criada à parte que a nossa filosofia a imagina, é inseparável, no seu nascimento e na sua maturação, do Universo onde nasceu. Em cada alma Deus ama e salva parcialmente o Mundo inteiro, resumido nesta alma dum modo particular e incomunicável".

"O Mundo, pelos nossos esforços de espiritualização individual, acumula lentamente, a partir de toda a matéria, o que fará dele a Jerusalém celeste ou a Terra nova. Pela nossa colaboração que ele suscita, Cristo consuma-se, atinge a sua plenitude, a partir de toda a criatura".

"Imaginávamos talvez que a Criação acabara já há muito. Erro. Ela continua cada vez mais ativa, e nas zonas mais elevadas do Mundo. E é para o acabar que nós servimos, mesmo por meio do trabalho mais humilde das nossas mãos. É este, em suma, o sentido e o valor dos nossos atos. Em virtude da interligação Matéria-Alma-Cristo, façamos o que fizermos, nós levamos a Deus uma porção do ser que ele deseja. Mediante cada uma das nossas obras, nós trabalhamos muito parcelarmente mas realmente na construção do Pleroma, isto é, contribuímos um pouco para o acabamento de Cristo".

"Cada uma das nossas obras, pela repercussão mais ou menos distante e direta que tem sobre o Mundo espiritual, concorre para perfazer Cristo na sua totalidade mística. Oxalá chegue o tempo em que os Homens, bem conscientes da estreita ligação que associa todos os movimentos deste Mundo no único trabalho da Encarnação, não possam entregar-se a nenhuma das suas tarefas sem as iluminar com esta idéia distinta, a saber, que o seu trabalho, por mais elementar que seja, é recebido e utilizado por um Centro divino do Universo!"

"As forças de diminuição são as nossas verdadeiras passividades. O seu número é imenso, as suas formas infinitamente variáveis, a sua influência contínua. Em certo sentido, é de pouca importância o escaparem-se-nos as coisas, porque podemos sempre imaginar que elas nos voltarão às mãos. O terrível para nós é o escaparmos nós às coisas por uma diminuição interior e irreversível. Humanamente falando, as passividades de diminuição internas formam o resíduo mais negro e mais desesperadamente inutilizável dos nossos anos".

"Tomada no seu sentido mais alto de generalidade, a doutrina da Cruz é aquela a que adere todo o homem persuadido de que, perante a imensa agitação humana, se abre um caminho em direção a uma saída, e que este caminho é a subir. A vida tem um termo: portanto exige uma direção de marcha, que de fato se encontra orientada para a mais elevada espiritualização por meio do maior esforço".

"Deus revela-se em toda a parte aos nossos tateios, como um meio universal, por ser o ponto último onde convergem todas as realidades. Cada elemento do Mundo, seja ele qual for, só subsiste, hic et nunc (aqui e agora), à maneira de um cone cujas geratrizes se unissem (no termo da sua perfeição individual e no termo da perfeição geral do Mundo que as contém) em Deus que as atrai".

"A camada humana da Terra está inteira e perpetuamente sob o influxo organizador de Cristo encarnado".

"O progresso do Universo, e especialmente do Universo humano, não é uma concorrência feita a Deus, nem um esbanjar vão das energias que ele nos deu. Quanto mais o Homem for grande, tanto maior a Humanidade será unida, consciente e senhora da sua força, – quanto mais bela for a Criação, tanto mais a adoração será perfeita, tanto mais Cristo encontrará, para acrescentamentos místicos, um Corpo digno de ressurreição".

domingo, 14 de setembro de 2008

A ASCENSÃO DA LIBERDADE - Pierre Teilhard de Chardin

Voltemo-nos agora para lançar uma olhadela de conjunto para a estrada que acabamos de percorrer.

À nossa volta, de início, nós pensávamos constatar a presença duma Humanidade desagregada e desordenada: a multidão, a massa, - onde não distinguíamos senão talvez a fealdade e a brutalidade.

Procurei, apoiado nas conclusões mais gerais e mais sólidas da ciência, fazer que subísseis acima desta agitação confusa. E, à medida que íamos subindo cada vez mais, eis que a cena, vista de mais alto, se regularizava. Como pétalas dum lótus gigante ao cair da tarde, camadas humanas, de dimensões planetárias, foram-nos aparecendo, fechando-se lentamente sobre si mesmas. E, no coração deste enorme cálice, sob a própria pressão da concentração, descobriu-se um potente foco onde a energia espiritual, gradualmente libertada por um vasto mecanismo totalizador, de seguida concentrado hereditariamente numa espécie de super-cérebro, se transformava pouco a pouco numa visão comum sempre cada vez mais apaixonada. – Neste espectáculo simultaneamente pacificado e intensificado, onde as irregularidades de pormenor, tão desconcertantes à nossa escala individual, se apagam para dar lugar a um largo, tranquilo e irresistível movimento de fundo, - neste espectáculo, dizia, tudo se mantém e tudo se liga com o resto do Universo. Vida e consciência deixam de ser anomalias acidentais na Natureza; mas na Biologia, aparece de repente uma face complementar da Física e da Matéria. Aqui, repito, o Tecido do Mundo que se desagrega irradiando a sua energia elementar; acolá, este mesmo tecido que se reúne irradiando o Pensamento. Algo de fantástico nas duas extremidades. Mas não será necessário um para equilibrar o outro? – Harmonia, pois, em perspectiva. Mas também programa de futuro: pois que, uma vez admitidas estas visões, é um objectivo magnífico, uma linha de marcha precisa, que se apresentam à nossa ação.

Coerência e fecundidade, os dois critérios da verdade. Tudo isto ilusão, - ou realidade?
Tereis que fazer a escolha. Mas aos hesitantes, ou aos que se recusem comprometer-se, direi simplesmente: «Para explicar cientificamente o fenómeno humano, tomado integralmente nos seus desenvolvimentos passados e na marcha do presente, tendes outra coisa ou algo de melhor a propor?»

Tudo isso está muito bem, dir-me-eis. Mas, no sistema que pretendeis tão coerente não faltará precisamente um elemento essencial? No seio do aparelho grandioso que credes ver em marcha, o que é que acontece à pérola do nosso ser, o que sucede com a nossa liberdade?

A liberdade, responderei, mas não vedes então, do ponto em que me coloco, que ela aparece por todos os lados, - e que ela cresce por todos os lados?

Eu sei: por uma espécie de obsessão inata, não conseguimos desembaraçar-nos da ideia de que é ficando o mais isolados possível que nós seremos mais senhores de nós próprios. Ora, não será o contrário que é verdade ? Não o esqueçamos. Em cada um de nós, por estrutura, tudo é elementar, incluindo mesmo a nossa liberdade.

Impossível desde logo continuarmos a libertar-nos sem nos reunirmos e nos associarmos convenientemente. Operação perigosa, certamente, uma vez que, seja misturadas em desordem, seja engrenadas entre si como simples maquinismos, as nossas atividades neutralizam-se ou mesmo mecanizam-se (como experimentamos à saciedade). Mas operação salvífica, também, visto que, unidas centro a centro (ou seja, numa visão ou numa paixão comuns), elas se enriquecem indubitavelmente. Uma equipe, dois amantes... Operada na simpatia, a união não se limita, ela exalta as possibilidades do ser. A uma escala limitada, é o que se experimenta por todos os lados e todos os dias. A uma escala mais vasta, à escada do total, se a lei é inerente à própria estrutura das coisas, por que não haveria ela de valer ainda mais?

Simples questão de intensidade no campo que polariza e atrai. No caso duma união cega ou dum arranjo puramente instrumental, é verdade que o jogo dos grandes números materializa, - mas, no caso duma unanimidade realiza pelo interior, ele personaliza e mesmo, acrescentaria eu agora, infalibiliza as nossas actividades. Uma só liberdade, tomada isoladamente, é fraca, incerta e pode facilmente errar nos seus tateios. Uma totalidade de liberdades, agindo livremente, acaba sempre por encontrar o seu caminho. E eis por que, incidentemente, sem minimizar o jogo ambíguo da nossa escolha em face do Mundo, eu pude sustentar implicitamente, no decurso desta conferência, que nós avançávamos, livre e inelutavelmente, para a Concentração através da Planetização. Na evolução cósmica, poder-seia dizer, o determinismo aparece nas duas pontas, mas, aqui e lá, sob duas formas antitéticas: em baixo, uma queda no mais provável por defeito, - em cima, uma subida para o improvável por triunfo de liberdade.

Estejamos, pois, seguros. O enorme sistema industrial e social que nos envolve não tende a esmagar-nos, não procura desprover-nos da nossa alma. Não só a energia que emana dele é livre no sentido em que ela representa as potências disponíveis; mas livre é ela ainda porque (tanto no todo como no mais humilde dos elementos), se desprende no sentido dum estado sempre mais espiritualizado. Um pensador como Cournot podia ainda imaginar que o grupo socializado se degrada biologicamente relativamente aos indivíduos que engloba. Não é (vemo-lo atualmente melhor) senão mergulhando no coração da Noosfera que nós poderemos esperar, que poderemos estar seguros, de encontrar, todos juntos, tanto quanto cada um de nós, a plenitude da nossa Humanidade.

(Capítulo de conclusão do artigo de Teilhard de Chardin publicado na Revue des Questions scientifiques, em 1947, intitulado "A formação da noosfera").

Trechos de A MISSA SOBRE O MUNDO, de TEILHARD DE CHARDIN

"Senhor, já que uma vez ainda, não mais nas florestas da França, mas nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevarei acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo".

"O sol acaba de iluminar, ao longe, a franja extrema do primeiro oriente. Mais uma vez, sob a toalha móvel de seus fogos, a superfície viva da Terra desperta, freme, e recomeça seu espantoso trabalho. Colocarei sobre minha patena, meu Deus, a messe esperada desse novo esforço.
Derramarei no meu cálice a seiva de todos os frutos que hoje serão esmagados".

"Meu cálice e minha patena, são as profundezas de uma alma largamente aberta a todas as forças que, em um instante, vão elevar-se de todos os pontos do Globo e convergir para o Espírito. - Que venham pois, a mim, a lembrança e a mística presença daqueles que a luz desperta para uma nova jornada!"

"Outrora, carregava-se para vosso Templo as primícias das colheitas e a flor dos rebanhos. A oferenda que esperais agora, aquela de que tendes misteriosamente necessidade cada dia, para aplacar vossa fome, para acalmar vossa sede, não é nada menos do que o crescimento do mundo
impelido pelo devir universal".

"Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida por vossa atração, vos apresenta à nova aurora. Este pão, nosso esforço, não é em si, eu o sei, mais que uma degradação imensa. Este vinho, nossa dor, não é ainda, ai de mim, mais que uma dissolvente poção. Mas, no fundo dessa massa informe, colocastes – disso estou certo, porque o sinto – um irresistível e
santificante desejo que nos faz a todos gritar, desde o ímpio ao fiel: "Senhor, fazei-nos Um!"

"Porque, à falta do zelo espiritual e da sublime pureza de vossos santos, deste-me, meu Deus, uma simpatia irresistível por tudo quanto se move na matéria obscura, - porque irremediavelmente, reconheço em mim, bem mais que um filho do Céu, um filho da Terra, - subirei, esta manhã, em pensamento, às alturas, carregado das esperanças e das misérias de minha Terra-Mãe; e lá, por força de um sacerdócio que somente Vós, creio, me destes, - sobre tudo aquilo que, na Carne humana, se prepara para nascer ou perecer sob o sol que se levanta, eu chamarei o Fogo".

"Aconteceu.
O fogo, mais uma vez, penetrou na Terra.
Não caiu ruidosamente sobre os cimos como o raio em seu fragor. Força o Mestre as portas para entrar em sua casa? Sem abalo, sem trovão, a chama iluminou tudo por dentro. Desde o coração do menor átomo à energia das leis mais universais, ela tão naturalmente invadiu, individual e conjuntamente, cada elemento, cada mola, cada liame de nosso Cosmos que ele, poder-se-ia crer, inflamou-se espontaneamente".

"E agora, pronunciai sobre ele, por minha boca, a dupla e eficaz palavra, sem a qual tudo desmorona, tudo se desata, em nossa sabedoria e em nossa experiência, - mas com a qual tudo se reúne e tudo se consolida, a perder de vista, em nossas especulações e nossa prática do Universo. – Sobre toda a vida que vai germinar, crescer, florescer e amadurecer neste dia, repeti: "Isto é o meu Corpo". – E, sobre toda a morte pronta a corroer, fanar e segar, ordenai (o mistério de fé por excelência!): "Isto é o meu Sangue".

"Rico da seiva do Mundo, subo para o Espírito que me sorri para além de toda conquista, revestido do esplendor concreto do Universo. E, perdido no mistério da Carne divina, eu já não saberia dizer qual é a mais radiosa destas duas bem-aventuranças: ter encontrado o Verbo para dominar a Matéria, ou possuir a Matéria para atingir e receber a luz de Deus".

"Se o Fogo desceu ao coração do Mundo é, finalmente, para me tomar e para me absorver. A partir de então, não basta que eu o contemple e que por uma fé viva intensifique sem cessar seu ardor à minha volta. É preciso que, depois de haver cooperado, de todas as minhas forças, com a Consagração que o faz jorrar, eu consinta enfim na comunhão que lhe dará em minha pessoa o alimento que ele veio finalmente procurar".

"Cristo glorioso, influência secretamente difusa no seio da Matéria e Centro deslumbrante em que se ligam todas as fibras inúmeras do Múltiplo; Potência implacável como o Mundo e quente como a Vida; Vós que tendes a fronte de neve, os olhos de fogo, os pés mais irradiantes
que o ouro em fusão; Vos cujas mãos aprisionam as estrelas, Vós que sois o primeiro e o último, o vivo, o morto e o ressuscitado: Vós que reunis em vossa unidade todos os encantos, todos os gostos, todas as forças, todos os estados: é por Vós que meu ser chamava com um desejo mais
vasto do que o universo: Vós sois verdadeiramente meu Senhor e meu Deus!"

"Senhor, encerrai-me no mais profundo das entranhas de vosso Coração. E, quando aí me tiverdes, abrasai-me, purificai-me, inflamai-me, sublimai-me, até a satisfação perfeita de vossos gostos, até a mais completa aniquilação de mim mesmo."

"Toda minha alegria e meu êxito, toda a minha razão de ser e meu gosto de viver, meu Deus, estão suspensos a essa visão fundamental de vossa conjunção com o Universo. Que outros anunciem os esplendores de vosso puro Espírito! Para mim, dominado por uma vocação que penetra até ás últimas fibras de minha natureza, eu não quero, eu não posso dizer outra coisa que os inúmeros prolongamentos de vosso Ser encarnado através da matéria: jamais poderia pregar senão o mistério de vossa Carne, ó Alma que transpareceis em tudo o que nos rodeia!"

"Ao vosso Corpo em toda sua extensão, isto é, ao Mundo tornado por vosso poder e por minha fé o crisol magnífico e vivo em que tudo aparece para renascer, eu me entrego para dele viver e dele morrer, ó Jesus"

A CRISTOLOGIA DE TEILHARD DE CHARDIN

Como se sabe, a cristologia é o ramo da teologia que estuda a pesoa de Jesus. Pela cristologia procura-se responder a pergunta: "Quem é Jesus?"

Existem e existiriam ao longo da história da Igreja, muitas diferentes formas de responder a essa pergunta. Existem portanto dentro da Igreja, muitas diferentes cristologias. Mesmo dentro do Novo Testamento, encontra-se varias cristologias, ou seja, diferentes respostas sobre a pessoa de Jesus.

A cristologia de Teilhard de Chardin, situa a humanidade no processo evolutivo do Cosmos, isto é, baseia-se no fato científico da Evolução. Nesta linha, Jesus será enfocado como o "motor" e o "objetivo final" de todo o processo evolutivo. Chardin chama o Cristo de "o Cristo evolutivo", ou de "ponto-ômega". Chamando Cristo de ponto-ômega, Teilhard refere-se ao trecho do livro do Apocalipse em que Jesus diz: "Eu sou o Alfa e o Ômega".

Teilhard de Chardin, no contexto de uma contradição entre fé e ciência, deseja reconciliar o que ele considera as duas "fés": a fé científica no processo evolutivo do mundo e a fé teológica no Cristo cósmico, de que fala S. Paulo. Entre essas duas fés, Chardin não encontra contradição, mas sim, uma "convergência maravilhosa". Ele escreve:

"O Cristianismo mais tradicional, o do Batismo, da Cruz e da Eucaristia é suscetível de uma tradução onde passa o melhor das aspirações contemporâneas".

Para Teilhard, Cristo seria o ponto-ômega, a meta final da evolução, oobjetivo para o qual tudo converge e se direciona, segundo as palavras deJesus: "Quando eu for elevado, atrairei todas as coisas para mim". Jesus é oponto-ômega da evolução do universo, a causa final que atrai tudo para simesmo.Cristo é também o motor da evolução; é o eixo que conduz e direciona todo processo evolutivo. O Cristo cósmico de Paulo é o Cristo evolutivo. Jesus põe em movimento todo processo de evolução, orientando e dirigindo a marcha evolutiva do universo.

Teilhard escreve:"Eu creio que o Universo é uma Evolução. Eu creio que a Evolução vai para o Espírito. Eu creio que o Espírito, no Homem, se conclui no Pessoal. Eu creio que o Pessoal supremo é o Cristo Universal".

Teilhard fala que o projeto de Deus é cristificar todo universo. O desejo de Deus é transformar tudo em "outro Cristo", ou seja, continuar o mistério da Encarnação do Verbo no mundo inteiro. Referindo-se a essa cristificação do Cosmos, por meio da Eucaristia, Teilhard fala poeticamente e com lindas palavras:

"Quando o sacerdote pronuncia as palavras: 'Isto é o meu corpo', as palavras incidem diretamente sobre o pão e diretamente transformam-no na realidade individual do Cristo. Mas a grande ação sacramental não pára neste acontecimento local e momentâneo... Há uma 'eucaristização' de toda a criação".

"Quando o Cristo, prolongando o movimento da sua encarnação, desce ao pão para substituí-lo, sua ação não se limita à parcela material que sua Presença vem, por um momento, volatizar. Mas a transubstanciação se aureola de uma real, ainda que atenuada, divinização de todo o Universo. Do elemento cósmico em que se inseriu, o Verbo age para subjugar e assimilar a Si todo oresto".

Teilhard encontra comprovação desse processo de cristificação do Cosmos no trecho paulino: "Deus será tudo em todos".

Seria errado imaginar que para Teilhard, o fato da evolução, pode, por simesmo, levar a conclusão ou dar por assentado que o mistério da encarnação seja necessário. Somente pela revelação se conhece o fato da encarnação e só por ela pode ser conhecido, como também só pela fé cristã se pode-se descobrir nos mistérios de Cristo a "convergência maravilhosa" entre o processo evolutivo do mundo e a "cristificação" do cosmos. No entanto, a fé cristã e o conhecimento científico do fenômeno evolutivo, como que "exige" um ponto final, um ápice, uma meta, um objetivo, para o qual tudo se direciona e converge. Teilhard fala, assim, que Cristo seria como que o ápice de uma abóboda, no qual se encerra e completa todo o processo da evolução. O processo evolutivo, para ser coerente e racional, "exige" o ponto-ômega.

No pensamento de Chardin, não pode o Cristo-ômega, com sua natureza cósmica, ser reduzido a um princípio abstrato. Jesus, o ponto-ômega, é o mesmo Jesus de Nazaré, que nasceu em Belém, viveu no meio de nós, morreu e ressuscitou. Teilhard insiste em afirmar que só quando inserido pessoalmente no "phylum"humano é que Cristo pode agir como causa final, que atrai para si próprio o cosmos em processo de evolução. O ponto-ômega verdadeiramente assumiu a humanidade e a recapitulou. Ele escreve:

"Se se suprimisse a historicidade de Cristo, isto é, a divindade do Cristo histórico, chegar-se-ia, imediatamente, à anulação de toda a experiência mística dos 2.000 anos do cristianismo. O Cristo filho da Virgem e o Cristo ressuscitado são indissociáveis".

A cristologia de Teilhard é "ascendente" ou "de baixo para cima", no sentido de que situa sua análise teológica na natureza humana, na ordem da criação, e daí eleva-se até a divindade de Cristo.

Uma crítica que se faz à cristologia de Chardin, é que ela tem pouca base bíblica e tende a perder o contato com a vida concreta e histórica de Jesus, em seus aspectos histórico-culturais.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE O LUGAR E A PARTE QUE CABEM AO MAL NUM MUNDO EM EVOLUÇÃO - Teilhard de Chardin

No decorrer dos longos desenvolvimentos precedentes, uma particularidade terá talvez intrigado ou até mesmo escandalizado o leitor. Em nenhum lugar, se não me engano, a palavra dor, ou a palavra culpa, foi pronunciada. Do ponto de vista em que me coloquei, o Mal e o seu problema se esvaneceriam ou não contariam mais, portanto, na estrutura do Mundo? E nesse caso, o Universo que foi aqui apresentado não é um quadro simplificado ou mesmo truncado?

A essa crítica, muitas vezes ouvida, de otimismo ingênuo ou exagerado, minha resposta (ou, se quiserem, minha desculpa) é que, apegado, nesta obra, unicamente ao propósito de realçar a essência positiva do processo biológico de hominização, não julguei necessário (por motivo de clareza e de simplicidade) compor o negativo da imagem que eu projetava. De que serve chamar a atenção para as sombras da paisagem, ou insistir sobre a profundeza dos abismos, abertos entre os cimos? Mas o que eu não disse supus que se via. Por conseguinte, procurar na visão aqui proposta uma espécie de idílio humano em lugar e ao invés do drama cósmico que eu pretendi evocar, seria nada haver compreendido dela.

Objetam que o Mal não é, por assim dizer, mencionado em meu livro. Explicitamente, talvez. Mas em contrapartida, esse mesmo Mal não mina exatamente, invencível e multiforme, por todos os poros, por todas as juntas, por todas as articulações do sistema em que me coloquei?

Mal de desordem e de insucesso, para começar. Até e suas zonas reflexivas, como vimos, o Mundo procede a golpes de acaso e tateio. Ora só por essa força, até no domínio humano (aquele, contudo, em que o acaso é mais controlado), quantos fracassos para um sucesso, quantas desgraças para uma só felicidade, quantos pecados para um único santo!... Simples não-arranjo ou desarranjo físico, de início, ao nível da Matéria; mas logo sofrimento incrustado na Carne sensível; e mais acima ainda, maldade ou tortura do Espírito que se analisa e escolhe; estatisticamente, em todos os graus da Evolução, sempre e em toda a parte, é o Mal que se forma e se reforma, implacavelmente, em nós e à nossa volta! “Necessarium est ut scandala eveniant” (É necessário que venham os escândalos). Assim o exige, sem apelação possível, o jogo dos grandes números no seio de um Multitudinário em via de organização.

Mal de decomposição, em seguida: simples forma do precedente, no sentido de que doença e corrupção resultam sempre de algum acaso infeliz; mas, forma agravada e duplamente fatal, é preciso acrescentar, na medida em que, para o ser vivo, morrer tornou-se a condição regular, indispensável, da substituição dos indivíduos uns pelos outros ao longo de um mesmo filo: a morte, engrenagem essencial do mecanismo e da ascensão da Vida.

Mal de solidão e de angústia, ainda: a grande ansiedade (esta bem própria do Homem) de uma consciência que desperta para a reflexão num Universo obscuro, onde a luz leva séculos e séculos para chegar até ela, - um Universo que não conseguimos ainda compreender bem, nem saber o que é que espera de nós...

E finalmente, o menos trágico talvez (porque nos exalta), mas não o menos real: Mal de crescimento, pelo qual se exprime em nós, nos transes de um parto, a lei misteriosa que, do mais modesto quimismo às mais elevadas sínteses do espírito, obriga a traduzir-se em termos de trabalho e esforço todo progresso que vá em direção à maior unidade.

Na verdade, se observarmos o avanço do Mundo, assim de viés, não na linha de seus progressos, mas na de seus riscos e do esforço que ele requer, perceberemos logo que, por sob o véu de segurança e harmonia, de que se reveste a Ascensão humana vista bem do alto, descobre-se um tipo particular de Cosmo do onde (não absolutamente por acidente – o que seria pouco – mas pela própria estrutura sistema) o Mal surge necessariamente, e em quantidade ou gravidade tão grandes quanto se quiser, na esteira da Evolução. Universo que se enrola – dizia eu, - Universo que se interioriza; mas também, no mesmo passo, Universo que moureja, Universo que peca, Universo que sofre... Arranjo e centração; lágrimas e sangue: outros tantos subprodutos (muitas vezes preciosos e reutilizáveis) que a Noogênese engendra pelo caminho. Eis, portanto, afinal de contas, o que nos revela, num primeiro tempo de observação e de reflexão, o espetáculo do Mundo em movimento. Mas isso é mesmo tudo? – E não há mais nada para se ver? Quer dizer, será verdadeiramente certo que, para um olhar atento e sensibilizado por uma outra luz que não a da pura ciência, a quantidade e a maldade do Mal ‘hic e nunc’ (aqui e agora) espalhado pelo Mundo não trai um certo excesso, inexplicável para a nossa razão se esse efeito normal de Evolução não se acrescentar ainda por cima o efeito extraordinário de alguma catástrofe ou desvio fundamental?...

Nesse campo, não me sinto sinceramente à altura de tomar posição e, de resto, nem caberia toma-la aqui. Uma coisa, aconselhada aos espíritos: observar que nesse caso (...) o Fenômeno não só deixa, mas oferece à Teologia toda a liberdade de precisar e de completar em profundidade (se a tal ela se julgar obrigada) os dados ou sugestões – sempre ambíguos para além de certo ponto – fornecidos pela experiência.

De qualquer modo, resta que, mesmo aos olhos do simples biólogo, nada se assemelha tanto a um Calvário quanto a epopéia humana.

(Apêndice de O FENÔMENO HUMANO - Pierre Teilhard de Chardin, 1948)

UM RESUMO DE MINHA PERPECTIVA “FENOMENOLÓGICA” DO MUNDO - Teilhard de Chardin

PONTO DE PARTIDA E CHAVE DE TODO O SISTEMA

“Existe uma deriva cósmica da Matéria, propagando-se na contracorrente através da Entropia, rumo a estados de arranjamento cada vez mais centro-compexos (isto na direção ou no interior – de um “Terceiro Infinito”, o Infinito de Complexidade, tão real quanto o Ínfimo e o Imenso). E a consciência se apresenta experimentalmente como o efeito ou propriedade específica dessa complexidade levada a valores extremos”.
Quando aplicamos essa lei de recorrência (chamada “lei da complexidade-consciência”) à História do Mundo, vemos delinear-se uma série ascendente de pontos críticos e de desenvolvimentos extraordinários, - que são os seguintes:

1. PONTO CRÍTICO DE VITALIZAÇÃO

Em algum lugar no nível das Proteínas, produz-se (para a nossa experiência, ao menos) uma emergência inicial da Consciência no seio do Pré-Vivo. E, graças ao mecanismo concomitante de “reprodução”, a subida de Complexidade se acelera na Terra por via filética (gênese das Espécies ou Especiação).
A partir desse estágio (e no caso dos vivos superiores) torna-se possível “medir” a marcha da Complexificação orgânica pelos progressos da Cerebralização. Graças a esse artifício, destaca-se, no seio da Biosfera, um eixo privilegiado de Complexidade-Consciência: o dos Primatas.

2. PONTO CRÍTICO DE REFLEXÃO (OU DE HOMINIZAÇÃO)

Em decorrência de alguma mutação cerebral “hominizante” que se produz nos Antropóides em fins do Terciário, a Reflexão psíquica (não apenas “saber” mas “saber que se sabe”) irrompe no Mundo, e abre para a Evolução um domínio inteiramente novo. No Homem, sob as aparências de uma simples “família” zoológica nova, é na verdade uma segunda espécie de Vida que começa, com seu novo ciclo de arranjos possíveis e seu invólucro planetário especial (a Noosfera).

3. DESENVOLVIMENTO DA CO-REFLEXÃO (E ASCENÇÃO DE UM ULTRA-HUMANO)

Aplicado ao grande fenômeno da Socialização humana, o critério de Complexidade- Consciência fornece indicações decisivas. Por um lado, um irresistível e irreversível arranjamento técnico-cultural de dimensões noosféricas está se manifestando em progresso na sociedade humana. E por outro lado, o espírito humano não cessa de se elevar, por efeito de co-reflexão, coletivamente (graças às ligações tecidas pela técnica), à percepção de novas dimensões: organicidade evolutiva e estrutura corpuscular do Universo, por exemplo. O par “organização-exteriorização” reaparece aqui com evidência. Quer isso dizer que, sob os nossos olhos, o processo fundamental da Cosmogênese continua a operar como antes (ou até mesmo atua cada vez mais). Considerada em sua totalidade zoológica, a Humanidade oferece o espetáculo único de um filo sintetizando-se organopsiquicamente em si mesmo. Verdadeiramente, uma “corpuscularização” e uma centração (uma centralização) na Noosfera como um todo sobre si mesma.

4. PROBABILIDADE DE UM PONTO CRÍTICO DE ULTRA-REFLEXÃO À FRENTE

Se extrapolamos no futuro, a convergência técnico-mental da Humanidade sobre si mesma impõe a previsão de um paroxismo de co-reflexão, a alguma distância finita adiante de nós no Tempo: paroxismo que não se pode definir melhor (nem mesmo de outra forma) senão como um ponto crítico de um Ultra-reflexão. Não poderíamos naturalmente imaginar ou descrever um fenômeno assim (que implica aparentemente numa evasão para fora do Espaço e do Tempo). Entretanto, certas condições energéticas precisas, as quais deve satisfazer o acontecimento previsto (tais como ativação crescente, no Homem, do “gosto de evoluir” e do “querer viver”, ao se aproximar tal acontecimento), obrigam-nos a pensar que ele coincide com um acesso definitivo ao Irreversível (uma vez que a perspectiva de uma Morte total deteria definitivamente, por desencorajamento, a continuidade da Hominização).
Foi a esse termo superior da co-reflexão (isto é, de unanimização, de fato) humana que dei o nome de “Ponto Omega”: foco cósmico personalizante de unificação e de união.

5. VEROSSIMILHANÇA DE UMA REAÇÃO (OU “REFLEXÃO”) DE OMEGA DIANTE DO HUMANO NO DECURSO DA CO-REFLEXÃO (REVELAÇÃO E FENÔMENO-CRISTÃO)

Quanto mais refletimos sobre a necessidade de um Omega para sustentar e animar a continuidade da Evolução hominizada, mais percebemos duas coisas:
- a primeira é que um Omega puramente conjectural (puramente “calculado”) seria frágil demais para manter no coração do Homem uma paixão suficiente para faze-lo hominizar-se até o fim;
- a segunda é que, se Omega existe realmente, é difícil conceber que seu supremo “Ego” não se faça sentir diretamente como tal, de algum modo, a todos os “egos” incoativos (isto é, a todos os elementos reflexivos) do Universo.
Desse ponto de vista, a antiga e tradicional idéia de “revelação” reaparece e se reintroduz (desta vez por via de biologia e de energética evolutiva) na Cosmogênses.
E também desse ponto de vista, a corrente mística cristã toma uma significação e uma atualidade extraordinárias.
Pois, se é verdade que, de toda a necessidade energética, o processo de complexidade-consciência exige absolutamente, para se consumar, o calor de alguma Fé intensa, - é também verdade (e isso salta aos olhos desde que nos demos o trabalho de inspecionar á nossa volta) que não há presentemente nenhuma Fé em vista capaz de animar plenamente (amorizando-a) uma Cosmogênese de convergência, a não ser aquela Fé num Cristo “pleromizante” e “parusíaco” in quo omia constant (“Em que tudo subsiste”).

(Em As Direções do Porvir - Pierre Teilhard de Chardin, 1954)

PRESENÇA DE DEUS NO MUNDO

Ó Cristo Jesus, vós trazeis verdadeiramente em vossa benignidade e em vossa Humanidade toda a implacável grandeza do Mundo. – E é por isso, por essa inefável síntese realizada em Vós, pelo fato de que a nossa experiência e o nosso pensamento jamais teriam ousado reunir para os adorar; o Elemento e a Totalidade, a Unidade e a Multiplicidade, o Espírito e a Matéria, o Infinito e o Pessoal, - é pelos contornos indefiníveis que essa complexidade dá à vossa Figura e à vossa Ação, que o meu coração, tomado pelas realidades cósmicas, se entrega apaixonadamente a Vós!
Eu vos amo, Jesus, pela Multidão que se abriga em Vós, e que ouvimos com todos os outros seres murmurar, orar, chorar... quando nos estreitamos contra Vós.
Eu vos amo pela transcendente e inexorável fixidez de vossos desígnios, pela qual a vossa doce amizade se matiza de inflexível determinismo e nos envolve implacavelmente nas dobras de sua vontade.
Eu vos amo como a Fonte, o Meio ativo e vivificante, o Termo e a Saída do Mundo, mesmo natural, e do seu Devir.
Centro em que tudo se encontra e que se distende sobre todas as coisas para reconduzi-las a si, eu vos amo pelos prolongamentos do vosso Corpo e da vossa Alma em toda a Criação, por meio da Graça, por meio da Vida, por meio da Matéria.
Jesus, doce como um Coração, ardente como uma Força, intimo como uma Vida – Jesus, em quem posso me fundir, com quem devo dominar e me libertar -, eu vos amo como um Mundo, como o Mundo que me seduziu – e sois Vós, agora vejo bem, sois Vós que os homens, meus irmãos, mesmo aqueles que não crêem, sentem e perseguem através da magia do grande Cosmo.
Jesus, centro para o qual tudo se move, dignai-vos preparar para nós, para todos, se possível, um lugar entre as mônadas escolhidas e santas que, despegadas uma por uma do caos atual pela vossa solicitude, se agregam lentamente em Vós na unidade da Terra nova.
(La Vie cosmique, 23 de março de 1916)

HINO AO UNIVERSO, Pierre Teilhard de Chardin, 1881-1955, Ed. Paulus, 1994.

HINO Á MATÉRIA

Bendita sejas tu, áspera Matéria, gleba estéril, duro rochedo, tu que não cedes a não ser pela violência, e nos forças a trabalhar se quisermos comer.
Bendita sejas tu, poderosa Matéria, mar violento, paixão indomável, tu que nos devoras, caso não te acorrentemos.
Bendita sejas tu, poderosa Matéria, Evolução irresistível, Realidade sempre nascente, tu que a cada momento fazes explodir as nossas molduras, obrigando-nos a perseguir sempre mais longe a Verdade.
Bendita sejas tu, Matéria universal, Duração sem limites, Éter sem margens – Tríplice abismo das estrelas, dos átomos e das gerações -, tu que transbordas e dissolves nossas estreitas medidas, revelando-nos s dimensões de Deus.
Bendita sejas tu, Matéria impenetrável, tu que, estendida em todo lugar entre nossas almas e o Mundo das essências, nos deixas lânguidos com o desejo de penetrar o véu sem costura dos fenômenos.
Bendita sejas tu, Matéria mortal, tu que, ao te dissociares um dia em nós nos introduzirás, forçosamente, no próprio coração daquilo que existe.
Sem ti, Matéria, sem os teus ataques, sem as tuas arrancadas viveríamos inertes, estagnados, pueris, ignorando a nós mesmos e a Deus. Tu feres e curas, resistes e dobras, arruínas e constróis, acorrentas e libertas, - Seiva de nossas almas, Mãos de Deus, Carne de Cristo, Matéria, eu te bendigo.
- Eu te bendigo, Matéria, e te saúdo, não como te descrevem, reduzida ou desfigurada, os po ntífices da ciência e os pregadores da virtude – um monte, dizem eles, de forças brutais ou de apetites baixos -, mas tal como me apareces hoje, em tua totalidade em tua verdade.
Eu te saúdo, inesgotável capacidade de ser e de Transformação, onde germina e cresce a Substância eleita.
Eu te saúdo, potência universal de aproximação e de união, através da qual se liga a multidão das mônadas e na qual convergem todas sobre a rota do Espírito.
Eu te saúdo, fonte harmoniosa das almas, cristal límpido de onde é tirada a nova Jerusalém.
Eu te saúdo, Meio Divino, carregado de Potência Criadora, Oceano agitado pelo Espírito, Argila amassada e animada pelo Verbo encarnado.
- Crendo obedecer ao teu irresistível apelo, os homens, muitas vezes por amor a ti, se precipitam no abismo exterior dos gozos egoístas.
Um reflexo os engana, ou um eco.
Agora vejo bem.
Para te alcançar, Matéria, é preciso que, partindo do contato universal com tudo o que se move cá embaixo, sintamos pouco a pouco desvanecer entre nossas mãos as formas particulares de tudo o que seguramos, até que permaneçamos às voltas com a única essência de todas as circunstâncias e de todas as uniões.
Se quisermos ter a ti, é preciso que te sublimemos na dor, depois de te haver vuluptuosamente agarrado em nossos braços.
Tu reinas, Matéria, nas alturas serenas onde os Santos imaginam te evitar – Carne tão transparente e tão móvel que não te distinguimos mais de um espírito.
Eleva-me para o alto, Matéria, pelo esforço, pela separação e pela morte – eleva-me lá onde, enfim, será possível abraçar castamente o Universo.
Embaixo, sobre o deserto que voltara à tranqüilidade, alguém chorava: “Meu Pai, meu Pai! Que vento louco o arrebatou!”
E por terra jazia um manto.

HINO AO UNIVERSO, Pierre Teilhard de Chardin, 1881-1955, Ed. Paulus, 1994.

PENSAMENTOS DE TEILHARD DE CHARDIN - 2

"Esperança é o que precisamos para que nossa alegria seja completa."

"Todos os sofredores da Terra juntando seus sofrimentos para que a dor do Mundo se torne um grande e único ato de consciência, de sublimação e de união: (...) uma das mais altas formas da obra da Criação"

"Não é de "tête-à-tête", nem de corpo a corpo, é de coração a coração que temos necessidade."

"Amar a Deus não somente 'de todo o seu corpo e de toda a sua alma' mas de todo o Universo em evolução"

"Concebo um novo movimento que aglutina as energias progressivas da Terra no seguinte
programa: universalismo, futurismo (ou fé na renovação da Terra) e personalismo"

"Bendita sejas, áspera Matéria, gleba estéril, duro rochedo, tu que não cedes senão à violência e nos obrigas a trabalhar se quisermos comer. Bendita sejas, perigosa Matéria, mar violento, indômita paixão, tu que nos devoras, se não teaprisionamos. Bendita sejas, poderosa Matéria, Evolução irresistível, tu que, fazendo estourar a cada instante os nossos esquemas, nos obrigas a buscar a Verdade sempre mais além. Bendita sejas, universal Matéria, Duração sem limites, Éter sem margens".

"Triplo abismo das estrelas, dos átomos e das gerações Tu que, ultrapassando e dissolvendo nossas estritas medidas, nos revelas as dimensões de Deus".

"Eu creio que o Universo é uma Evolução. Eu creio que a Evolução vai para o Espírito. Eu creio que o Espírito, no Homem, se conclui no Pessoal. Eu creio que o Pessoal supremo é o Cristo-Universal"

"A única religião daqui por diante possível para o Homem é aquela que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo do qual ele faz parte"

"Como acontece aos meridianos ao se aproximarem do pólo, Ciência, Filosofia e Religião convergem necessariamente nas vizinhanças do Todo"

"Temos apenas que crer. Em seguida, pouco a pouco, veremos o horror universal descontrair-se e sorrir para nós."

"Há momentos em que tenho a impressão de ser um desses passarinhos que se vê turbilhonar com um vento forte. As forças espirituais são de um poder e de um mistério ainda maiores do que as forças da Matéria."

"Aquele que amou apaixonadamente a Jesus escondido nas forças que fazem morrer a Terra, a Terra, desfalecendo, abraçá-lo-á maternalmente em seus braços gigantes, e, com ela, ele despertará no seio de Deus."

"A caminhada da Humanidade, prolongando a de todos os seres vivos, desenvolve-se
incontestavelmente no sentido de uma conquista da matéria, posta a serviço do Espírito,... o Pensamento aperfeiçoando artificiosamente o próprio órgão de seu pensamento, a vida retomada para adiante sob o efeito coletivo de sua Reflexão."

"Como lemos em São Paulo e em São João, lemos também que criar, construir e purificar o mundo é, para Deus, unificá-lo, unificando-o organicamente consigo mesmo. Como Ele o unifica? Imergindo-se parcialmente nas coisas, tornando se 'elemento'; e depois, dessa posição vantajosa no coração da matéria, assumindo o controle e a direção do que chamamos de Evolução. O Cristo, princípio da vitalidade universal tendo Se manifestado como Homem entre os homens, colocou-Se na posição (sempre mantida) de englobar sob Simesmo a ascensão geral das consciências nas quais Ele se inseriu. Através do ato perpétuo de comunhão e de sublimação, Ele agrega para Si mesmo o psiquismo total da Terra. E, quando Ele houver reunido tudo e tudo transformado, Ele tornará a se fechar sobre Si mesmo e Suas conquistas para retornar enfim, em um gesto final, ao lugar divino de onde Ele nunca saiu. Então, como nos disse São Paulo, Deus será Todo em tudo. É a expectativa deuma unidade perfeita, mergulhada na qual cada elemento atingirá sua consumação ao mesmo tempo que o Universo. O Universo se realizando em uma síntese de centros em conformidade perfeita com as leis da união. Deus, o Centro dos centros. Nessa visão final, o dogma do Cristianismo se culmina. E tão exatamente, tão perfeitamente essa culminação coincide com o Ponto Omega, que, sem dúvida, eu não teria jamais me aventurado a antecipar Sua visão, ou formulado a hipótese racionalmente, se, em minha consciência de crente, eu não houvesse encontrado, não apenas seu modelo especulativo, mas também sua realidade viva."

"Por mais longe que eu remonte na minha infância, nada me aparece de mais característico, nem de mais familiar, no meu comportamento interior, que o gostoou necessidade irresistível de algum Único Suficiente e Único Necessário. Para estar completamente à vontade, para ser completamente feliz, para saber que existe Algo de Essencial, do qual tudo mais não passa de um acessório, ou um ornamento. Sabê-lo e gozar interminavelmente da consciência dessa existência".

"O grande acontecimento de minha vida foi a gradual identificação de dois sóis no céu de minha alma, sendo um o ápice cósmico postulado por uma evolução generalizada do tipo convergente e outro constituído pelo Jesus da fé cristã"

"Tudo tentar e tudo impelir até o extremo na direção da maior consciência - eis a lei geral e suprema da moralidade num Universo reconhecido em estado de transformação espiritual. Limitar a Força (Energia e Amor) - a menos que seja para assim obter mais força ainda, eis o pecado."

"Senhor, já que (...) eu não tenho pão, nem vinho, nem altar, elevar-me-ei, acima dos símbolos, até a pura majestade do Real e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da Terra inteira, o trabalho e a fadiga do Mundo".

"Encerrai-me, Senhor, no mais profundo das entranhas do vosso coração. E, quando aí me tiverdes, abrasai-me, purificai-me, inflamai-me, sublimai-me, até a satisfação perfeita de vossos gostos, até a mais completa aniquilação de mim mesmo"

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha felicidade interior"

"Cada um de nós, quer queira quer não, liga-se, por todas as suas fibras materiais, orgânicas e psíquicas, a tudo que o circunda"

"Cada indivíduo carrega em si algo de todo o interesse final do Cosmo"

PENSAMENTOS DE TEILHARD DE CHARDIN - 1

"Em virtude da criação, e mais ainda da Encarnação, nada é profano neste mundo, para quem sabe ver".

"Ter consciência de que o trabalho humano aperfeiçoa o reino de Deus, e que o esforço é uma participação na Cruz de Cristo, eis o privilégio do homem cristão. É a Deus e a Deus somente que ele forma através da realidade das criaturas".

"Eu amo-Vos Jesus pela multidão que se abriga dentro de vós, que ouço, com todos os outros seres, falar, rezar, chorar, quando me junto a Vós".

"Se não nos amarmos uns aos outros pereceremos, porque para ser mais é preciso unir sempre mais".

"Ser é unir-se a si mesmo, ou unir os outros"

"É um dever sagrado para o cristão, em matéria de verdade humana, pesquisar e comunicar o que ele encontra aos profissionais e em nível profissional".

"Porque o Cristo é Ômega, o Universo está fisicamente impregnado, até no seu âmago material, da influência de sua natureza sobre-humana. A presença do Verbo encarnado penetra tudo como um Elemento Universal".

"Jesus crucificado não é um rejeitado ou um vencido. Pelo contrário. Ele é Aquele que carrega o peso e que sobreleva sempre, em direção a Deus, os progressos da marcha universal".

"Se meus escritos são de Deus, passarão. Se não são de Deus, só resta esquecê-los".

"O futuro é como as águas sobre as quais se aventurou o Apóstolo: carrega-nos na proporção de nossa fé".

"O Cristianismo mais tradicional, o do Batismo, da Cruz e da Eucaristia é susceptível de uma tradução onde passa o melhor das aspirações contemporâneas".

"Se eu pudesse mostrar apenas, por um instante que fosse, aquilo que eu vejo, acho que valeriam a pena todos os esforços de uma vida inteira".

"A única religião daqui por diante possível para o Homem é aquela que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o Universo do qual ele faz parte".

"A coisa mais impossível de se deter no Mundo é a marcha de uma idéia. Nada poderia jamais impedir o Homem de procurar tudo pensar e tudo experimentar até fim".

"Tu que feres e curas, tu que resistes e és dócil, tu que arruínas e que constróis, tu que acorrentas e que libertas - seiva de nossas almas, Mão de Deus, Carne de Cristo, Matéria, eu te bendigo!"

"Quando, pela primeira vez, num ser vivo, o instinto se percebeu no espelho de si mesmo, foi o Mundo inteiro que deu um passo".

"Quanto mais o Homem se tornar Homem, menos aceitará se mover senão em direção do interminavelmente eindestrutivelmente novo: ... o Absoluto".

"O homem não é apenas um ser que sabe, mas é também um ser que sabe que sabe".

"A alma humana é feita para não estar sozinha".

"Matéria, Vida e Energia: as três colunas de minha visão e de minha felicidade interior".

"Todos os sofredores da Terra juntando seus sofrimentos para que a dor do Mundo se torne um grande e único ato de consciência, de sublimação e de união: ... uma das mais altas formas da obra da Criação".

"O Universo, considerado em seu conjunto, tem um fim e não pode errar de direção, nem parar no caminho".

"Todos os que querem afirmar uma verdade antes do tempo arriscam-se a descobrirem-se heréticos".

"Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade... utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo."

"Nosso Cosmo, no fundo, não é senão o lento nascimento de uma consciência universal".

"A crise nada mais é do que um mal do crescimento por meio do qual se exprime em nós, como no trabalho de parto, a lei misteriosa que da mais humilde química à mais elevada síntese do Espírito, faz com que todo o processo rumo a uma unidade maior se traduza e se transmita, a cada vez, em termos de trabalho e de esforço".

"A Reflexão, ponto crítico cósmico, inevitavelmente encontrado e transposto, num dado momento, por toda a Matéria levada a um certo excesso de temperatura psíquica e organização. A Reflexão, passagem (como por um segundo nascimento) da Vida simples à Vida ao quadrado".

"É provável que, na história dos séculos vindouros, nossa época venha a ser considerada muito importante pelo domínio das novas energias elétricas, químicas, etc.; mas eu não me surpreenderia se, para os observadores do futuro, o maior acontecimento de nossos tempos fosse considerado exatamente o seguinte: o aparecimento na face da terra, da consciência de que havia uma humanidade e uma obra humana a cumprir".

"Quando, pela primeira vez, num vivo, o instinto se percebeu no espelho de si mesmo, foi o Mundo inteiro que deu um passo".

"Não apenas suavizar, mas desenvolver. Não apenas reparar, mas construir. Para a nossa geração, amar os Homens não pode significar outra coisa senão: dedicar-se, com todas as forças, com todo o coração, ao esforço humano"

"O critério que decide finalmente da verdade duma Religião só pode ser o da capacidade manifestada por essa Religião de dar um sentido total ao Universo que se vai descobrindo à nossa volta"

"A transformação recentíssima (e ainda em curso) que fez com que o Universo passasse do estado de realidade estática ao estado de realidade evolutiva contem todas as características dum acontecimento profundo e definitivo"

"O sofrimento humano, a totalidade do sofrimento derramado, em cada instante, sobre a terra, que oceano imenso ! Mas de que é constituída essa massa ? De negrume, de lacunas, de resíduos ? ... Nada disso, mas de energia potencial. No sofrimento esconde-se, com intensidade extrema, a força ascensional do Mundo"

quinta-feira, 19 de junho de 2008

TEILHARD DE CHARDIN

Pierre-Marie-Joseph Teilhard de Chardin nasceu no castelo de Sarcenat, na França, a primeiro de maio de 1881, quarto de uma família de onze filhos. O pai era um humanista que zelava pela própria cultura; lia muito, sobretudo livros de história; além disso escolhia com gosto as leituras para os seus filhos e ocupava-se pessoalmente do estudo de latim deles até que entrassem no colégio. Ele influenciou a formação espiritual dos filhos, inspirando-lhes o amor pelas coisas da natureza e incentivando-os a colecionar insetos, aves, pedras.

Pierre herdou de seus pais e do meio ambiente em que vivia um caráter aristocrático, um constante equilíbrio, um profundo sentimento religioso. O jovem Pierre completou os estudos ginasiais e colegiais no colégio dos Jesuítas, dos quais, além de noções científicas e literárias, aprendeu uma forte admiração pela vocação religiosa. Aos dezoito anos entrou no noviciado da Companhia de Jesus em Aix en Provence, levado pelo desejo da perfeição cristã. De 1908 até 1912 freqüentou os estudos de teologia em Hastings, onde teve também a possibilidade de cultivar seus talentos científicos. Um professor da universidade de Cambridge notou suas observações em botânica e paleobotânica e o apresentou ao mundo da cultura científica inglesa.

Ele foi ordenado sacerdote a 14 de agosto de 1911. Depois prosseguiu os estudos acadêmicos no Collège de France, mas teve que interrompê-los em 1914, quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Também ele foi alistado num destacamento da saúde, onde prestou serviço por todo o tempo da guerra. A experiência militar exerceu uma considerável influência na maturação intelectual e espiritual de Teilhard. Na dramaticidade e crueldade da guerra ele experimentou seu amor pela vida, pelo progresso, pela ciência e por todas as coisas bonitas.

Terminada a guerra, retomou os estudos universitários, doutorando-se em ciências naturais na Sorbonne, em 1922 e, logo em seguida, foi-lhe oferecida a Cátedra de Mineralogia no Instituto Católico de Paris. Em 1923 foi enviado em missão científica à China, com o encargo de fazer escavações arqueológicas nas regiões centrais daquele país. Essa foi a ocasião que ele mesmo definiu depois como "o acontecimento decisivo do meu destino" . A missão teve resultados sensacionais: levou à descoberta dos famosos restos fósseis encontrados na localidade de Ciu-Ku Tien, perto de Pequim, e chamados Homo Erectus Pekinensis. Voltando à Europa em 1924 deu numerosas conferências, cujo tema habitual era uma nova visão cósmica baseada na idéia da evolução. Em 1926 as relações entre o Pe. Teilhard e seus superiores ficaram tensas por causa das implicações teológicas da doutrina dele sobre a evolução. Por isso os superiores proibiram-no de continuar a atividade intelectual pública que não fosse a pura pesquisa científica. Teilhard aceitou a disposição com submissão exemplar, embora conservando a sua autonomia de pensamento.

A partir de 1927, Teilhard tornou-se o representante efetivo da ciência francesa no setor do Pacífico, ficando bloqueado na China durante a Segunda Guerra Mundial. E, naquele interminável isolamento, levou a termo sua obra-prima O Fenômeno Humano. Voltando à França em 1946, foi-lhe renovada a proibição de divulgar os escritos que continham suas doutrinas filosóficas e teológicas. No campo científico, ao contrário, os consensos e os reconhecimentos ficavam cada vez mais freqüentes, tanto que em 1950 a Academia das Ciências do Instituto de França o inscreveu entre seus membros. Em 1951 transferiu-se para os Estados Unidos onde viveu os últimos anos da sua existência. Ali faleceu de repente, com a idade de setenta e quatro anos, no dia da Ressurreição do Senhor, que ele tinha buscado e servido por toda a vida.